um dia, na piscina, estava eu parado com os braços apoiados na borda, cabeça deitada nos braços quando de relance vi uma formiga passeando pelo meu braço (as formigas são companheiras dos homens, ou nada somos para elas). Em seu passeio não havia perigo algum de me morder ( creio que elas não mordem porque devem conhecer o risco de morrer). (Pensar que temos milênios de convívio, impossível sermos nada para elas). ( Na verdade, acredito que elas não mordem por seguir seu instinto, e este não consta a relação presa/predador). O fato é que ela não morde. Enfim, deixei-a explorar este morro vivo, pulsante e quente, ora sumia de minha vista relanceira, ora aparecia farejando igual a um cachorro com suas anteninhas tocando a minha pele.
Deixe-a de meus olhos e continuei a deitar a cabeça, a pensar em tudo e em nada alternadamente, ora em tudo-nada, e ora no exercício pesado do nada-tudo.
Resolvi sair daquela estátua grega, e antes do movimento de músculos pensei: “Será que aquela formiga farejadora se encontra em meu braço?” Para responder esta pergunta, de súbito, o braço foi a água, num coice: “É isto que vamos ver!”
Olhei para a superfície da água e não a encontrei e, de repente ao fundo, no cume da curva cossena de meu braço na água, havia um ser se digladiando com o nada; suas pernas e braços pareciam um bebê chorando com todas as suas forças, a formiga estava condenada!
Olhei para o seu desespero. Pensei: “Coitada da formiga! Está ao fundo! Como luta para sobreviver, num mar misterioso e absoluto, abstrato e pulverizadamente concreto, onde a água baila abraçada a convidada ao som de um fúnebre ritual agônico”. E eu, igual a um urubu-Cabralina mobilizado, esperava o desfecho final, observando aquela luta perdida, dependendo dos poucos segundos que a vida reservara.
(sabe-se que a formiga é terráquea, que não ousa passar por um chão coberto de gotículas de água).
E lutava a desgraçada, como lutava... seus movimentos intensos não a movia daquela posição, do fundo da piscina. Assistia sua eutanásia: todo seu corpo remexia, sem cessar, perninhas todas juntas, tronco, cabeça também... E repentinamente, em minha cabeça passou uma onda cossena (agora para cima), onde meus olhos brilharam vendo aquela empatia de vida, vendo aquele seu clamor, aquele grito de socorro, aquele pedido desesperado de companheiros, aquela mendicância instintiva de um parente que pede para salvá-lo da bancarrota, aquele gesto de vida, a sua consciente comunicação, que me fez tentar de todos os modos salvá-la. Neurônios a e=m.c2 se conectavam a fórmula de salvaguarda, analisando o peso de minha companheira com a qualidade fluída e concreta da água. Não encontrei a solução precisa, e num ato intuitivo de quem já não podia mais esperar, o segundo já saído de sua última casa, fiz uma concha feito caçamba em volta da formiga e ela, devido a batalha travada entre Hades, Tétis, Chronos e Hera (em seu cruel arbítrio), escorreu para fora de minhas mãos.
Ao tentar novamente, já comovido pelo fracasso em minha alteridade, parei o braço e vi um redemoinho que se criou para cima e colocou a formiga para a superfície perto da borda. Minha razão se perdeu, como um desligar de televisão, e parece que algo fiz ainda que a guerreira alcançou a borda e se agarrou como que a vida fosse um gigante chorão, que para não se esvair ao abismo, se prendesse a uma folhinha de árvore. Minha surpresa foi tamanha que meus olhos grudaram em seus nervos de aço agarrado a superfície lisa da piscina. Minha razão se acendeu como o abrir de uma cortina de cinema e, minha amiga que renascia estava na superfície do ar com a água. Empurrei com o dedo a sua bundinha, certo de que suas reações a impossibilitaria de me castigar com a sua mordida, e ela pode enfim esquecer de sua vida.
Mas antes de seu habitual cotidiano, pude observar o susto e a alegria em seu corpo depois que retomou o piso quente de cerâmica maciça. Ela parecia que se tocava em suas partes dizendo “estou viva” numa explosão fina de adrenalina. E ela correu para o nada, numa linha reta para o horizonte, cada vez mais distante de sua casa. Era o final clássico e absolutamente real de um filme.
Fiquei ainda imaginando que ela iria contar sua experiência a suas amigas, a seu povo. Ela seria o fruto vivo e consciente de sua história, o início de uma nova era em seu formigueiro, o louco, o gênio, o desajustado, alegre, cantador e criativo, a qual um dia todos irão se lembrar...
Deixe-a de meus olhos e continuei a deitar a cabeça, a pensar em tudo e em nada alternadamente, ora em tudo-nada, e ora no exercício pesado do nada-tudo.
Resolvi sair daquela estátua grega, e antes do movimento de músculos pensei: “Será que aquela formiga farejadora se encontra em meu braço?” Para responder esta pergunta, de súbito, o braço foi a água, num coice: “É isto que vamos ver!”
Olhei para a superfície da água e não a encontrei e, de repente ao fundo, no cume da curva cossena de meu braço na água, havia um ser se digladiando com o nada; suas pernas e braços pareciam um bebê chorando com todas as suas forças, a formiga estava condenada!
Olhei para o seu desespero. Pensei: “Coitada da formiga! Está ao fundo! Como luta para sobreviver, num mar misterioso e absoluto, abstrato e pulverizadamente concreto, onde a água baila abraçada a convidada ao som de um fúnebre ritual agônico”. E eu, igual a um urubu-Cabralina mobilizado, esperava o desfecho final, observando aquela luta perdida, dependendo dos poucos segundos que a vida reservara.
(sabe-se que a formiga é terráquea, que não ousa passar por um chão coberto de gotículas de água).

Ao tentar novamente, já comovido pelo fracasso em minha alteridade, parei o braço e vi um redemoinho que se criou para cima e colocou a formiga para a superfície perto da borda. Minha razão se perdeu, como um desligar de televisão, e parece que algo fiz ainda que a guerreira alcançou a borda e se agarrou como que a vida fosse um gigante chorão, que para não se esvair ao abismo, se prendesse a uma folhinha de árvore. Minha surpresa foi tamanha que meus olhos grudaram em seus nervos de aço agarrado a superfície lisa da piscina. Minha razão se acendeu como o abrir de uma cortina de cinema e, minha amiga que renascia estava na superfície do ar com a água. Empurrei com o dedo a sua bundinha, certo de que suas reações a impossibilitaria de me castigar com a sua mordida, e ela pode enfim esquecer de sua vida.
Mas antes de seu habitual cotidiano, pude observar o susto e a alegria em seu corpo depois que retomou o piso quente de cerâmica maciça. Ela parecia que se tocava em suas partes dizendo “estou viva” numa explosão fina de adrenalina. E ela correu para o nada, numa linha reta para o horizonte, cada vez mais distante de sua casa. Era o final clássico e absolutamente real de um filme.

Fiquei ainda imaginando que ela iria contar sua experiência a suas amigas, a seu povo. Ela seria o fruto vivo e consciente de sua história, o início de uma nova era em seu formigueiro, o louco, o gênio, o desajustado, alegre, cantador e criativo, a qual um dia todos irão se lembrar...