sexta-feira, março 16, 2007

Aplausos a Rogério Sganzerla











Estou satisfeitíssimo com o filme que acabei de assistir, "Copacabana moun amour", 1970 ( creio eu), do cineasta barriga-verde-carioca Rogério Sganzerla. Recomendo. Falar do filme é fácil, sua essência, mais difícil...para mim impossível.
Comecei a assistir o filme, bastante curioso, já que filmes marginais foram desastrosamente banidos pela simpática e tensa ditadura militar e, deparei-me, logo no início, com um filme de falas desencontradas, personagens sem foco, num estado de loucura pura. Pensei ( eu desacostumado com filmes marginais - nenhum filme marginal que assisti, ainda mais desse brilhante cineasta, foi vão), será que este é um filme descentrado com a pretensão de uma sofisticação? Não, o filme me envolveu, e trouxe uma estética metarealidade extraordinária (explico depois).
Aplausos, porque hoje em dia não encontramos filmes assim, com um teor político-crítico sob a estética dionisíaca, tranvestido de "gente doida", é o meu Brasil!! ninguém entende nada, tá todo mundo chapado!!! Quem não tiver de sapato, não sobe!!! Hoje encontramos filmes de entretenimento, hollywood, enlatado ( feito pela fábrica, formatadinho), ou filmes que "revelam" uma revolução, uma crítica social, que não saí do que é permitido dentro do estabelecido. Claro que há exceções, mas infelizmente a maioria tem um discurso preso a convenções. Este filme, compreende uma linguagem estética revolucionária (no mínimo crítica), com um discurso simples para quem está aberto, entregue, sem racionalismos ou academicismos. É aqui que quero, um pouco, chegar. Ele rompe com uma ordem academicista.
Parece que agora eu entendi aonde que o cinema marginal, numa das figuras ilustre de R.S. quis chegar, quando lançou seu movimento numa crítica ao cinema novo. Primeiro, quero ressaltar, que apesar da crítica (uma dádiva ao cinema nacional), o cinema marginal não se opôs como inimigo, para anular o outro, e sim como irmão, na tentativa de construir uma estética firmemente brasileira, cinematográfica, onde um "supera" o outro.
O cinema novo, na figura de Glauber Rocha, veio para firmar uma estética e uma luta das massas do que seria verdadeiramente brasileiro, ou potencialmente brasileiro. E assim, trouxe um cinema que rompeu com o "americanismo dos EUA" trazendo uma panfletagem revolucionária oriunda das lutas dos movimentos socialistas revolucionários. Para isto, valorizou a massa de trabalhadores do campo e da cidade, valorizando figuras como o cangaceiro ( e sua luta, dentro da contradição da sociedade), o retirante, o negro, o povo, e os valorizando, colocando-o no foco, como herói. Mas a estética é a discursão mais importante: para mostrar a contradição de nossa vida brasileira, a loucura dionisíaca foi a adotada, com muita justiça, mas de forma planfetária.
O cinema marginal tirou esta panfletagem, destituiu o povo de seu heroísmo, e chutou o balde da ordem revolucionária. Este filme, para mim, supera o "O bandido da luz vermelha" de R.S.. Ele é muito parecido com o "A idade da terra" de G. Rocha. Ambos (Copacabana... e a idade...) produzem uma estética dionisíaca. Vejam: enquanto que Glauber contrapõe esta estética com a estética apolínea dos burgueses, dos dominadores/opressores, este filme se firma no dionisíaco sem se preocupar com "qualquer coisa sei lá eu que bixo é este que vocês falam, burgueses, isto é nome de prato de macarrão é?". É dionisíaco, é terra, é entrega, é negro, é o estado de se estar na rua, vivendo, sem compromissos. E, a loucura é a plena auto-gestão da sobrevivência racional-intuitiva e inteligênte. Este é o Brasil!!! Que caretismo é o academicismo, é sério, porcamente, hein!!! "Quem não pode, avacalha!!!" chega de romantismo!!
"Tenho nojo do povo". Ahaha, quem é o povo, você?...é auto-regulação, cada um sabe de si, se sou povo, sou massa, sou a sem-eu.
Canivete, tamancos na estrada: "não sou tarada!! vocês são tarados!!".
É um filme formidável, Viva o cinema marginal de Rogério Sganzerla, pena que esse cara se foi. Pena que não há imortalidade e viviríamos na luxúria!!!! Viva a Galinha Preta, c'a vela e cachaça.

Como numa mesa de bar, podemos ficar aqui falando do filme por tempo, espero que vocês leitores e construtores deste blogg possam assistir e comentar. Sobre a estética metarealidade extraordinária, as palavras falam por si, mas sua sanidade explícita, vulgo loucura, é uma realização da realidade subjetiva fora do comum, onde a fantasia subjetiva se encontra amparada na realidade, ela é real. É como se os instintos e suas perversões, o id, tomassem conta das atitudes dos personagens ainda com o ego segurando de leve suas rédeas.
Outro tema, a colocar, é a atuação dos atores que conseguiram uma desinibição marcante. Foram ótimos . Gostaria de ir adiante, mas encerro para não ficar chato

Este filme passou no Canal Brasil na Sessão Interativa, que consiste em o público votar em um dos três filmes indicados. Não votei, mas queria muito votar neste filme para que ele ganhasse, fico muito feliz que o público o elegeu.

quarta-feira, março 14, 2007

MOJICA e BOCCACCIO, à luz da psicanálise. O que há em comum?

Nada acontece ao acaso? Hoje eu assisti a um filme e estou agora lendo um livro. E ambos dizem a mesma coisa, a séculos de distãncia. Parei de ler para escrever.

O filme O Estranho Mundo de Zé do Caixão, 1967, é composto por 3 curtas-metragens. Um deles, “A Ideologia” conta a história do professor Oäxiac Odéz que vai a TV debater com jornalistas a sua idéia: de que o instinto prevalece sobre a razão. Coloca a “atração” no pólo dos instintos e o “amor” no pólo da razão. Ao final, o entrevistador, em off, duvida das afirmativas do professor e este o convida para conhecer as experiências que confirma a sua tese, “e traga a sua esposa”.
Ao receber sua honrada visita, o professor mostra em seus porões, experiências sádicas-masoquistas, canibalismos, ninfeta ardendo em ácido jogado por dementes, repreendidos por ela e, excitados. Um horror!!! Sob a manifestação dos convidados, o professor os prendem em jaulas separadas por 7 dias, sem comida e água.
No 4º, 5º, 6º dias, ao perguntar sobre quem quer comer, o marido sugere que dê a esposa e ela sugere ao marido. Sobre quem será sacrificado, cada um se auto-sugere.“É a razão vencendo, verá se no 7º dia será assim”.
No 7º dia, a mulher morta de sede, não quer saber de mais nada, “Água!!!”. O professor pergunta: “Quer que eu mate o teu marido?” – “Água, água!!!”. Zé enfia a faca no pescoço dele, jorra sangue e enche um copo e dá a ela, agora solta. Esta bebe tudo, e se joga para o pescoço do marido, insaciavelmente, querendo mais matar a sua sede.

Na belíssima novela de Giovanni Boccaccio, O Decamerão, do século XVIII, na parte antes das novelas, ele apresenta o contexto que é a Peste do século XIV que dizima a cidade de Florença.
Uns se trancam em suas casas se isolando dos enfermos. Outros acreditam que a solução é gozar o máximo da vida, beber imoderadamente, fazer o que der na telha, sacanear os outros com pilhérias. Muitos fugiram da cidade deixando a casa abandonada e ocupadas por enfermos. Vale lembrar que a peste dizima, e médicos, curandeiros, as autoridades não dão a solução porque são múltiplas as soluções e as conclusões. As autoridades largaram o seus ofícios para velar a morte de familiares. O caos se instaura e os bons costumes são esquecidos, “um irmão deixava o outro; o tio deixava o sobrinho; a irmã à irmã; e, freqüentemente, a esposa abandonava o marido. Pais e mães sentiam-se enojados em visitar e prestar ajuda aos filhos, como se o não foram”. “O hábito foi que nenhuma mulher, por mais pudica, bela ou nobre que fosse, se sentia incomodada, por ter a seu serviço, caso adoecesse, um homem, ainda que desconhecido; (...) a ele, sem nenhum pudor, ela mostrava qualquer parte do próprio corpo, do mesmo modo que o exporia a outra mulher, quando a necessidade de sua enfermidade o exigisse”.
Esta é a obra que impulsionou a imoralidade do século XVIII.

NECESSIDADE diante da vida. Este é o alarme que ambos os autores fazem diante da moralidade. A moralidade é um consenso. Mas que consenso é este? Um consenso que esconde parte da vida? Por que a necessidade revela o que escondemos? O que escondemos? É a cultura? Por que não podemos aproximar o natural do cultural? A estética apolínea é para se afastar da morte? Da miséria? Da força da terra? Da natureza?

“Para as mulheres que escaparam com vida, isso foi, quiçá, motivo de deslizes e de desonestidade, no período que se seguiu a peste”
Moralidade, hipocrisia, até onde está encarnado o nosso medo? O poder? A dominação? Até onde temos que manter o status quo? A nossa miséria espiritual?

Necessidade é a defesa, que se torna neurótica, de uma criança quando enfrenta pais alienados dos filhos, autoritários e infelizes. Não é uma acusação! É uma reflexão acerca da sobrevivência física e emocional de uma pessoa cuja lógica não é formal.

Freud deu a pista, em seu livro “Mal da Civilização” colocando que a repressão dos instintos é a repressão sexual, responsável pela construção da civilização pela sublimação da pulsão sexual. A civilização é o que de concreto denota a separação do natural e cultural no ser humano (para parte dos sociólogos).

Tudo!!! Tudo o que estamos falando aqui é de SEXO!!!

Mas Freud, ao colocar que o ser humano tem que passar do princípio do prazer para o princípio da realidade, ele firmou a posição de que o mundo é assim mesmo. De que não podemos com a cultura, com esta cultura.
Reich trouxe a questão de que tudo é princípio de prazer, que somos governados apenas por este princípio e que o princípio de realidade é derivado da do prazer satisfeito. Quanto mais satisfeito, maior serão nossos sentidos para a realidade. Reich descartou o instinto de morte como instinto do animal. Assim, Reich salienta a auto-gestão, como o princípio de realidade satisfeito em suas necessidades.
Para mim, a morte descrita por Mojica da forma como ele coloca é uma neurose. Mas é uma neurose encarada de frente, com todos os seus simbolismos. È um se entregar para o misterioso, que só pode ser um orgasmo intenso, um renascimento, e não como encaramos o orgasmo como a morte, porque não agüentamos tamanha entrega. É o corpo encouraçado.
Encerro estas considerações sobre a moralidade (cultura) e necessidade (instinto), para abrir campos para vocês estarem juntos nestas reflexões.

CHAPLIN e ZÉ do CAIXÂO. O que há de comum?

Quero defender uma impressão original que tive. A de que somente 2 diretores de cinema construíram e viveram tão intensamente os seus personagens e colocando-os uma personalidade e uma filosofia marcante, e com genealidade: são eles Charles Chaplin e José Mojica Marins.


Charles Spencer Chaplin construiu o personagem The Tramp e, com ele, manteve uma integridade incrível. O Vagabundo é vagabundo no filme “O Garoto”, “O Circo”, “Tempos Modernos”, “A Corrida do Ouro”, “Luzes da Cidade”, nos curtas-metragens, em “Luzes da Ribalta”. Até mesmo nos filmes “O Grande Ditador” ele não perdeu o seu traço ao fazer o barbeiro judeu e o soldado, e em “Um Rei em NY”, também me parece que ele começa de baixo para acabar se tornando o milionário. Lembro agora, que a exceção é “Monsier Verdoux”, que também me parece, era um pobretão mascarado de rico. Não sei se Chaplin na vida pública encarnava com tanta intensidade como fez José Mojica com o seu personagem, o agente funerário Zé do Caixão. Mas é certo que a postura nobre e encantadora com que aparecia na vida pública lembra, sem a maquiagem, o nosso nobre vagabundo. E não é projeção minha. Chaplin e The Tramp se confundem nos gestos e sorrisos. Mas, o mais importante é o trabalho do diretor com um “único” e fiel personagem dentro de diversos contextos dos filmes, apresentando obras maravilhosas e geniais. Creio que é isto que encantou o mundo todo.
Buster Keaton, diretor e ator de seus filmes, também vivera seu personagem. O seu personagem não era tão completo que nem os 2 citados aqui. É que Keaton não realizou tantos longas metragens e, parece-me que ficou apagado diante de Chaplin, pois eram contemporâneos.
Woody Allen, também diretor e ator de seus filmes, marca um personagem delineado, na verdade, auto-biográfico, mas que não tem a abrangência de uma filosofia e estética firmes comparado aos 2 citados aqui. E também não me parece que haja uma preocupação em manter a vida de um “único” personagem ao longo dos filmes.

Zé do Caixão ou Mojica ? Quem é quem neste momento ?
A resposta não é simples porque a pergunta não é complexa.
José Mojica, o Coffin Joe, se colocou no mundo com muita coragem, trazendo a sua filosofia Dionisíaca. Sua estética da carne-viva, da terra-voraz dotada de vermes que devoram a ilusão da imortalidade, ele traz luz para os que não enxergam, e melhor, é luz das Trevas !!
Num mundo apolíneo, vence os feios, os mancos, os diferentes, os que vivem a vida, com prazer e dor, ciente da sua força, ignorando o medo, longe do parasitismo.
José Mojica e Zé do Caixão trazem em si a filosofia da terra, mais especificamente do embaixo da terra. Fere o rosto dos que acreditam na imortalidade, daqueles que se entregaram de querer viver esta vida terrena para uma promessa de vida no céu.
Assistir aos filmes “A Meia Noite Eu Levarei a sua Alma” e “ Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver” é presenciar uma filosofia que vai contra com a boa moral e os bons costumes de nossas filosofias. Uma filosofia que reina no Reino da Terra. É o satanismo que trará força e vida. “Quem não aparece, desaparece” (1).
A dimensão é esta, criador e criatura, único no reino cinematográfico, em sua estética e valores.
É injusto afirmarem que José Mojica faz cinema B ou cine Trash. Por mais que estes tipos de cinema não sejam “adjetivos qualificadores”(sic), e sim, modos de se fazer cinema, o povo confunde com filme de 2ª. Sua “tecnologia alternativa”(2) com seu “staff com meia dúzia de gatos pingados”(2) construiu um universo, “a primeira religião cinematográfica”(1,2); é de se respeitar este gênio. Mas por enquanto o povo não vê isto e faz uma distinção medieval entre o bem (do qual teme) e o mal (do qual despreza).

Dois gênios do cinema que estão no mesmo primeiro degrau dos cineastas do mundo, todo o mundo viu!
Igual a Chaplin mas diferente Mojica lutou muito na vida, tomou muitos “Não”, foi perseguido, e hoje está vivo para reinar no Reino dos Céus !!! aHaHaHa AhAhAh ahahahahah!!!!

É certo que ao falar dos filmes de José Mojica eu me isento de definir os seus atos, o seu cinema, as suas idéias. Este relato que faço é um convite para conhecê-lo.

Tanto The Tramp como Zé do Caixão são personagens nobres, que buscam por uma relação ética. Agora seus modos são diferentes. Zé do Caixão é mais duro com as pessoas, O Vagabundo é mais suave, e ambos utilizam de certo sadismo.

O que há de comum é que em suas posturas nobres, fazem reflexões éticas à humanidade, com personagens marcantes e criativos ao longo de suas trajetórias no cinema.

(1) José Mojica Marins
(2) Décio Pignatari



Texto de Osodrack Navy