sexta-feira, janeiro 11, 2008

Pensando em Pessoa

Apresento dois poemas meus, o primeiro numa linda homenagem ao poeta, e o segundo tentando capturar um pouco o seu espírito, a sua estética:





"A alma-poeta, de pessoa,

É o olor da flor-de-lis, boa."







LÁ ESTÁ EU (A MALA)

Meu dono foi abandonado em pé.
O maquinista da Estação não parou.
Meu dono ficou petrificado como que
Aguardando pelo passado. Por este mesmo
Que passou...

Ele que tantou lutou,
Perseguiu seus ideais e tanto esperou "o momento".
Caminhou com a imaginação,
Se alimentou com sonhos.
Ele que foi tão assediado pelo herói
(Sua família assediou-o também, mas pouco agiu).
E fez curso de contabilidade/advocacia.
Ele que foi tão elogiado por sua visão de mundo.
Foi creditado a fazer um grande serviço,
Teve seu rosto cuspido e não-estapeado por pena, por desprezo,
Foi taxado de pretensioso pelo Sr. Amargurado.
E mesmo aí, algo nele fez mover suas perninhas para fora do Banco.

Meu dono me carregou até o pátio.
Daqui, carreguei-o...
Seus olhos-olheiras quedos, baixos, monstruosamente mortos,
Como que um cachaceiro, que depois de perder sua fortuna,
Apostas em corridas de cavalos, volta ao Jóquei, e perde o dinheiro da cachaça.
Meu dono que perde as palavras "O-QUE-ACONTECEU-?",
Letras que caem no abismo e ele as enxerga, do meio da ponte. Ao fundo, assiste sua imagem finda.
Homem que perdeu suas chances, depois de 30 largos anos, e que ganhou só a barriga.
Homem que ficou nú em plena noite de gala, com toda a classe de homens prestigiados e donzelas preteridas, a sorrirem.
Homem que carrega nas costas o peso do mundo e tropeça em cadáveres dos fantasmas no cemitério mal cuidado.
Carrego-o, esta massa, até a Estação donde temos que voltar
Para a Cidade de Pedra, linda cidade de sua infância.

Lá parado, entre poucos transeuntes,
Sua única lágrima cristalizara.
Este último sinal de adeus deixa o deserto de sua alma.
E eu fico agarrado a ele,
Aguardando-o, seu comando ou a sua...
( não sei - morte?)

II

De tanto que espero ( ele comigo na mão),
Resolvo me soltar ao chão e seguir.
Abrir-me: Folhas Velhas se soltam ao tempo,
Passando pelo trilho de ferro da Estação,
Pilastras, basuras, árvores, outros papéis, poeiras, bancos da praça.
E percorro outra mão, dizendo adeus àquele que me apeguei longos anos,
Desgarrando-me daqui, que um dia fui eu, meu dono.
Sinto-o deixar, mas há coisas que não voltam mais.
Engano meu? Será? Talvez.
Mas aquele homem não existe mais pois, foi ele que se deixou.

III

Fui colocado numa oficina,
Ao lado de caixas de ferramentas.
Estou eu lá, de couro, observando um trabalho artesanal.
Homens de barba amarelada, sujos de graxa.
TOC-TOC-TOC-, TAC-TAC-TAC, TUM-TUM-TUM !!!
A consertar, sorrir, gritar e dar pancada.
Em breve, servirei para trabalhar, carregando peças ou novos papéis contábeis.

Enquanto isto observo, sigo no meu galpão cheirando a madeira.





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