sábado, dezembro 01, 2007

Trago Dois Poemas Meus

Trago dois poemas. O primeiro eu fiz na Argentina na ciudad Necochea, onde eu e meu amigo Rafael fizemos uma viagem barata, pegando carona, trem de 4a classe, ônibus e muito chinelo na estrada.
´Star no mundo e fazer poesia, interagir com pessoas que vivem na malandragem do mundo, Argentinos, Bolivianos, Paraguaios que trabalham "camelando" (os camelôs). Ficamos numa pensão onde pagávamos 12 pesos (12 reais) pra duas pessoas, num lugar surreal pra minha realidade sócio-econômica, quartos sem portas ( só com lençol na porta), panelas amontoadas no corredor, muita gente gritando, porta batendo, e nós fizemos a nossa também. Tomamos un trago, fizemos amizade com um cafetão de boludo ( que disse que mandava na rua e era pra gente ficar sossegado), jogamos xadrez a noite toda, chegamos enborrachados.
No trem, um arranjou confusão com a gente, chamamos pra porrada, ameaçaram jogar nossas coisas pela janela enquanto durmíamos ( viagem a Mar del Plata, das 23h-7h) na 4a classe, numa condição horrível (com poltrona de coletivo, onde o apoio terminava nas espáduas), dissemos que nós quebraríamos eles com "conhece jiu-jitsu? te mato em 5 segundos". Nem tenho jiu jitsu, só sei dar o mata-leão. Dormimos no chão do trem, da rodoviária onde conhecemos um guerrilheiro para-militar, que faz o trabalho sujo pro governo, idéias fascistas. O cara era simples, estava indo para B.Aires trabalhar de pedreiro numa obra, e contou mil história das anti-guerrilhas contra as FARCs. Artesões gringos tocando berimbaú e cantando a capoeira com sotaque rústico castellano. Dormimos na casa de um cara que não tinha 90 centavos para comprar um leite para a pequena Catarina, su hijita ( La Cata, ele a chamava). Sua mulher continuava no tráfico, durmimos na casa abandonada dele onde não tinha nada, nada de nada, pior, uma cama sem colchão, prateleiras sem nada, fogão sem gás, geladeira só com uma garrafa de água. Ainda a água da descarga vazou quando o Rafael puxou. Ele limpou. O chão não era imundo porque não havia casa, era todo empoeirado, areia. Nós pagamos o leite pra ele, era tudo o que tínhamos na hora. Chegamos numa cidade vizinha a Necochea, Quequén, a meia noite, andamos muito pra achar um camping que alguém tinha recomendado na rodoviária ( ah, lembro que assistimos um pouco de futebol na Tv, River e Racing, quando chegamos). E chegando neste camping ( colônia de férias para crianças),que era muito caro, pedimos pra ficar. O guarda não deixou e chegou a dona, muito relutantemente, seu coração amoleceu, se certificou que não haveria chegada de crianças na manhã seguinte e deixou com a condição que dormíssemos na cabana do índio ( para que seus hóspedes não nos vissem). Assim feito, noutro dia, chegou uma criançada e fomos acordados com os gritos deles. Gostei demais!! muito bom ser acordado com esta energia. E eles abriram a lona da porta da cabana para brincar e gritaram: " Una carpa (barraca), hay una carpa aquí dientro!!" e todos vieram ver, e gritavam, o que apareceu de rostos sorridentes na porta. O Rafael saiu num pulo, batendo a mão na boca e imitando índio, eles sairam aos gritos curtindo a onda. Eu tinha escondido num cantinho do camping minha toalha molhada, estendida para secar, e levaram a toalha, fiquei sem toalha. Conversamos com um niño llamado Emiliano, enquanto desarmávamos a barraca, perguntamos a ele se conhecia seu xará, Emiliano Zapata, falamos um pouquinho deste revolucionário mexicano. Enfim, são tantas belas histórias ( acho que nunca esquecerei desta viagem!!!).
´Star no mundo e fazer poesia, em meio a este chão, quente, latino-americano (que nós brasileiros conhecemos tão pouco ou quase nada, não nos vínculamos aos nossos. Queremos o que é americano e europeu, e achamos que o que é latino é pobre. Achamos isto sem conhecer. Assistimos televisão e achamos isto. É rico, camaradas, de afetividade, de alegria e solidariedade e tantos outros valores).
Em Necochea, a quase 2 horas do centro da cidade, andávamos todos os dias pra pegar uma festa, comprar coisas, sabonetinho de 0,70 pesos, que também era o sabão de roupa, estava eu na paz do camping, com banhos de mar e escrevi estes versos:


Humano Demasiadamente Desumano

Quando sentimos fome,
Comemos.
E, pulamos as escadas
Às mãos espalmadas,
E boca salivando.

Quando sentimos frio,
Nos abrigamos.
E, escolhemos o cobertor
À ira de quem ficou
Sem chance de escolher.

Quando sentimos frio,
Queremos comer.

A necessidade é sirene de polícia
Ao corpo que caça sem desmedida,
E faz de sua autoridade
Brutal ação descontida.
Humano.

Olho para o lado,
Buscando para trás,
A verossimilhança
De inteligentes animais.
E, são livres como são,
O corpo não os livra da pulsão,
A força faz. Demasiadamente.

E, sigo sem escolher,
Colhendo o que vejo,
Sem dar valor ao coração.
Pois, não há só neste ser,
Víscera, igual para crer,
Que não se contenta à lasca de pão.
Não pensamos mais, seguimos.
Desumano.


Reflexão: Este poema me parece que traz muito o valor das coisas que Nietzsche traz em seu livro "A Origem da Tragédia". No livro, ele descreve como seu deu a relação dionísica grega e bárbara para os costumes gregos, descrito nos poemas de Homero e outras artes. Na verdade, aventa como que os gregos souberam capturar Dionisio para continuar na condição apolínea, da razão, da lógica, incorporado no prazer pelos sentidos, a catarse pela visão e outros sentidos ( eu estou na página 36 de152). Creio que este meu poema e seu contexto traduz a poesia dionísiaca ( sem a pretensão de ser dionísiaca) e o valor artístico nobre que Nietzsche sugere, com a demolição dos valores cristãos. Na segunda parte, falo mais um pouquinho.


(Lembro que no banheiro deste camping, havia 4 chuveiros separados, eu cantei "Carinhoso" de Pixinguinha, adaptando ao castellano e um cara se amarrou, toda hora lembrava da música, fizemos amizade, ele e sua mulher compartilharam suas frutas, seu chimarrão com a gente, contaram sobre a patagônia).

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